terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Blá-blá-blá...


"Há oradores que, terminando o discurso, deviam ser presos por terem roubado o tempo da gente"
Sergio Porto, escritor
"Tô cansado de tanta caretice, tanta babaquice Desta eterna falta do que falar"
Cazuza, cantor e compositor

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Literatura e Carnaval: Dom Quixote de La Mancha, o cavaleiro dos sonhos impossíveis

da

Ontem, os desfiles do grupo especial do Rio de Janeiro tiveram como abre-alas a União da Ilha do Governador e, mais uma vez, a literatura recebe um carinho especial no carnaval brasileiro. Um clássico da literatura universal “Dom Quixote de La Mancha” foi a obra homenageada da noite. A escola, campeã do grupo de acesso no ano passado, levou para a avenida a história de aventuras de um fidalgo espanhol que apresentava, aproximadamente, cinquenta anos e, nos intervalos dos afazeres, gostava de ler livros de cavalaria. O prazer pela leitura cresceu tanto que o fidalgo vendeu parte de suas terras para comprar livros de cavalaria e enriquecer cada vez mais sua imaginação. Porém as histórias invadiram a imaginação do leitor que resolveu tornar-se um cavaleiro andante em busca das aventuras e viver tudo que havia lido. Esse cavaleiro escolheu o nome de Dom Quixote de La Mancha que montado no cavalo batizado por Rocinante e acompanhado pelo fiel escudeiro Sancho Pancha investiu em aventuras oníricas.

O cenário medieval e as tradições espanholas como touradas, castanholas e leques, instrumento de determinação feminina, enriqueceram a escola que soube levar para a Marquês de Sapucaí a história medieval do espanhol Miguel de Cervantes. A segunda obra mais comercializada no mundo foi publicada em dois volumes, em 1605 e 1615 e é uma sátira sobre os romances de cavalaria de muitos leitores daquela época. Um livro crítico que preza pelo lúdico da insensatez e pelo universo dos sonhos tão procurados pelos leitores.

Segue o samba-enredo para quem tem uma louca ilusão e um Quixote no coração!

Voltou a Ilha
Delira o povo de alegria
Nessa folia sou fidalgo, sou leitor
Cavaleiro sonhador
Meu mundo é de magia
Vou cavalgar no Rocinante
Meu escudeiro é Sancho Pança
Se Dulcineia é meu amor
Quem eu sou?
Dom Quixote de La Mancha
O gigante moinho me viu, deu no pé
O povo grita... Olé
Nesse feitiço tem castanhola
A bateria hoje deita e rola
Vesti a fantasia, fui à luta
Venci manadas, rebanhos
Fiz de uma bacia meu elmo de glórias
Meus livros se perderam pela história
Enfim, fui vencido pelo Branca Lua
Voltei pra casa esquecendo as aventuras
O tempo ficou com meus ideais
Quimeras são imortais

A Ilha vem cantar
Mais um sonho impossível... Sonhar!
Quem é que não tem uma louca ilusão
E um Quixote no seu coração


Autores: Grassano, Gabriel Fraga, Márcio André Filho, João Bosco, Arlindo Neto, Gugu das Candongas, Marquinhus do Banjo, Barbosão, Ito Melodia e Léo da Ilha

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Literatura e Carnaval: faces de uma moeda!



“Dos diversos instrumentos do homem, o mais
assombroso é, sem dúvida, o livro. Os demais
são extensão do seu corpo... mas o livro é outra
coisa, o livro é uma extensão da memória e da
imaginação”.
(Jorge Luís Borges
)

Em 1931, Jorge Amado, com apenas 19 anos de idade, lançava o livro “O País do Carnaval”. Esse romance apresenta a figura de Ricardo Braz, uma dos personagens do romance. Necessitado de carinho, verdadeiro peregrino do sentimento, tinha uma grande sede de amor. Para ele, a finalidade da vida nada tinha a ver com dinheiro, prestígio político ou prazeres - o sentido da vida estava no amor. Idealizava para si uma jovem de grandes olhos tristes e que fosse o tipo da esposa perfeita. E proclamava: "A satisfação da Carne não dá felicidade a ninguém". Ilustrando esse romance as cenas carnavalescas atuam como fundo de cenário.

Outros autores da literatura usaram o cenário e as personagens desta festa folclórica. Foi o caso do mineiro Aníbal Machado no conto "A Morte da Porta-Estandarte" o qual renova o tema universal do ciúme que, de tal modo irreprimível, a personagem se transforma em assassino da pessoa a quem se diz amar.

O poeta Manuel Bandeira também se apropriou do tema na edição de seu segundo livro "Carnaval". Mais tarde, o autor faria a seguinte declaração: "Com Carnaval", recebi o meu batismo de fogo". O poeta inicia seu livro com os seguintes versos: "Quero beber, cantar asneiras...”. O livro foi alvo de muitas criticas da sociedade letrada e admiradora da formalidade Parnasiana por apresentar o verso livre e libertinagens”.

Outros poetas também incluíram o carnaval em suas líricas. Raimundo Correia escreveu o soneto "Tristeza de Momo" uma figura da mitologia adaptada para o nosso carnaval. Já Vinícius de Moraes com a peça, "Orfeu da Conceição", foi premiado no IV Centenário da capital paulista.

Os autores da literatura brasileira não deixaram de admirar, cada um com uma abordagem, essa grande festa popular. Por outro lado a admiração é recíproca. Escolas de samba com características predominantemente populares e marcadas pela perspectiva da oralidade vislumbraram e transformaram a manifestação por excelência da cultura escrita, a literatura, em matéria de samba.

Varias obras e autores foram adaptados para enriquecer os enredos carnavalescos. Em 1952 a Mangueira levou para avenida a homenagem ao poeta Gonçalves Dias e seus poemas indianistas. Em 1976, o poeta Jorge de Lima foi contemplado pelo carnaval especificamente através da obra “Invenção de Orfeu” que virou samba da Unidos de Vila Isabel. “Os Sertões”, obra de Euclides da Cunha, com mais de quinhentas páginas contribuiu para a construção de um dos maiores sambas-enredo da escola “Em Cima da Hora”. A tradicional Portela, em 1966, não deixou de prestar sua homenagem à literatura através da obra “Memórias de um sargento de milícias” levando para a passarela do samba as peraltices da personagem Leonardo Pataca nos tempos do Rei. A Império Serrano repetiu a dose. Em seu primeiro carnaval, em 1948, a escola homenageou o poeta baiano Castro Alves e em 1989 apresentou o enredo “Jorge Amado, Axé Brasil”. O samba descreve uma grande festa ocorrida na tenda dos milagres com personagens consagrados do autor, tais como o pai-de-santo Jubiabá, Teresa Batista que dança um samba de roda com Tieta e o cambaleante Quincas Berro D Água, além de Gabriela e Dona Flor que dividem as panelas preparando o vatapá que vai alimentar aquela gente toda. O escritor baiano compareceu ao desfile, apresentando-se em um carro alegórico cercado de amigos e mães de santo e escoltado por Zélia Gattai, que desfilou com os trajes típicos da boa terra.

Anos mais tarde, em 2002, a mesma Império Serrano conseguiu levar um escritor pernambucano para a Marquês de Sapucaí – "Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna" o enredo que contou com a presença do escritor e de sua mulher, Zélia. A Vila Isabel, em 1980 e a Mangueira, campeã do carnaval de 1987, homenagearam o poeta Carlos Drummond de Andrade mas não conseguiram de forma alguma arrastar para a folia o poeta de mineiro que em 87 já estava com a saúde debilitada.
No último carnaval, A Mocidade Independente de Padre Miguel juntou no mesmo enredo dois grandes nomes da literatura brasileira Machado de Assis e Guimarães Rosa. Este completou o centenário de nascimento e aquele da morte. Sinhazinhas, barões do Império, bacharéis e demais personagens do Bruxo do Cosme Velho dividiram a passarela com os jagunços e sertanejos Riobaldo, Diadorim, Joca Ramiro e Zé Bebelo. Personagens imortais das nossas letras.

Para finalizar essa parceria tão completa que apresenta “Histórias de amor sem ponto final”, a campeã do carnaval 2009 também apostou na literatura. Com o enredo “Histórias sem fim” a Salgueiro levará para a avenida a invenção da impressa por Gutemberg e as ricas fantasias que a literatura possibilita. Segue o samba enredo da escola e que no livro do carnaval sejam lidas páginas agradáveis e cheias de fantansias!!!
HISTÓRIAS SEM FIM (Salgueiro 2010)

Sonhei... no infinito das histórias
Iluminando a memória, me encantei
Brilhou... realidade e fantasia
Como nunca imaginei
Na arte do saber um novo amanhecer
Divina criação, primeira impressão
O livro sagrado da vidaVirtude pra eternidade
A leitura estimulandoA mente da humanidade
Eu viajei nessa magia
De alma e coração
Na fonte da sabedoria
Busquei a minha inspiração


Páginas descrevendo pensamentos
Clássicos, ideais e sentimentos
Romances... aventuras
Quanta riqueza na nossa literatura
O faz-de-conta inocente da criança
Ficou guardado na lembrança
Mistérios... suspense... emoção
É o hábito de ler, folheando com prazer
Muita além de uma visão
Mensagens de esperança
Clareando a imaginação


Uma história de amor
Sem ponto final"
Academia do samba" é Salgueiro
No "livro do meu carnaval"

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

FICÇÃO OU AUTOBIOGRAFIA AMOROSA?


A obra Marília de Dirceu é uma das mais belas da poesia árcade brasileira. Tomás Antonio de Gonzaga, poeta da inconfidência, a contruiu com fatos e sentimentos pessoais o que dificulta separar o biográfico da invenção poética. Mas para fazer versos tão gradiosos só sob forte inspiração:

"Os teus olhos espalham luz divina,
A quem a luz do Sol em vão se atreve:
Papoula, ou rosa delicada, e fina,
Te cobre as faces, que são cor de neve.
Os teus cabelos são uns fios d’ouro;
Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
Para glória de Amor igual tesouro.
Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!"


Marilia, a musa da lírica, torna-se, assim, representação do amor, ou antes, do Amor do poeta. Ele volta-se para a namorada juvenil como se ela materializasse a idéia que ele faz do Amor. Na segunda lira da primeira parte Marilia e o Deus Cupido formam uma só pessoa A crença no Amor advém da idéia que habita o poeta, a idéia brotada da sua condição de sensitivo e de homem culto que edifica na mente uma ficção ou ideal (o do amor) e projeta-o e o concretiza em Marilia:

Tu, Marilia, Agora vendo
De amor o lindo retrato,
Contigo estarás dizendo
Que é este o retrato teu.
Sim, Marilia, a copia é tua,
Que Cupido é Deus suposto: se há Cupido, é só teu rosto,
que ele foi quem venceu.”

A obra é dividida em duas partes e a segunda parte das líricas o poeta escreveu após ser preso em 1789. Nessa fase Dirceu é o próprio centro dos poemas, e nos quais Gonzaga retrata um depoimento sobre sua situação pessoal revelando a autêntica índole do sentimento dele por Maria Dorotéia. Assim surgi uma poesia ultra romântica, isto é, não oriunda de um sentimento mitificado mas experimentado na carne e sublimado em poemas de alta pulsação estética. A valorização do subjetivismo do autor se presentifica na mescla personagem/autor.

O sofrimento gerado pela impossibilidade do amor (apelo sentimental) é outra característica do romantismo que, às vezes, culmina na morte como única solução:

“Meus olhos te viram, ah! Nessa hora
Teu Retrato fizeram,e tão forte,
Que entendo que agora
Só pode apagá-lo
o pulso da morte.”