sábado, 10 de outubro de 2009

Uma bunda inovadora


Não podemos esperar uma descrição tão incomum de outro poeta. Carlos Drummond é moderno e conseguiu que seu nome fosse associado ao novo. Acredito que descrever algo inusitado é tão criativo quanto brincar com as palavras. E isso o Drummond faz com muito humor e magnificamnte bem. O útlimo verso, composto por uma palavra, apresenta duplo sentido através de uma construção pouco usual. Pode-se interpretar essa palavra como o verbo redundar (superabundar), mas nesta nova contrução está, de certa forma, especificando essa bunda, o que lembra redonda, um adjetivo.


A bunda que engraçada

A bunda, que engraçada.

Está sempre sorrindo, nunca é trágica.


Não lhe importa o que vai

pela frente do corpo. A bunda basta-se.

Existe algo mais? Talvez os seios.

Ora – murmura a bunda – esses garotos

ainda lhes falta muito que estudar.


A bunda são duas luas gêmeas

em rotundo meneio. Anda por si

na cadência mimosa, no milagre

de ser duas em uma, plenamente.


A bunda se diverte

por conta própria. E ama.

Na cama agita-se. Montanhas

avolumam-se, descem. Ondas batendo

numa praia infinita.


Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz

na carícia de ser e balançar.

Esferas harmoniosas sobre o caos.


A bunda é a bunda,

redunda.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Oração literária


ORAÇÃO A TERESINHA DO MENINO JESUS


Perdi o jeito de sofrer.
Ora essa.
Não sinto mais aquele gosto cabotino da tristeza.
Quero alegria! Me dá alegria,
Santa Teresa!
Santa Teresa não, Teresinha...
Teresinha... Teresinha...
Teresinha do Menino Jesus.
Me dá alegria!
Me dá a força de acreditar de novo
No
Pelo sinal
Da Santa
Cruz!
Me dá alegria! Me dá alegria,
Santa Teresa!...
Santa Teresa não, Teresinha...
Teresinha do Menino Jesus.

(Manuel Bandeira)


domingo, 2 de agosto de 2009

Inércia

Uma rua nua e deserta
Alerta! Um caminho...
Ninguém nessa merda
Anda! Estão parados no ninho

Andar: um passo após o outro
Nenhum mistério...
Muitos caminhos soltos
E todos para o cemitério!

sábado, 25 de julho de 2009

Quem conta um conto...


Narrar é uma arte! Confesso que essa afirmação me deixou um pouco confuso. Pois será que toda narração é uma arte? Mesmo aquelas em que não há nenhum trabalho minucioso com as palavras ou um trabalho com formas e formas?

Há varias formas prosaicas para narrar: romances, contos, novelas, cartas, etc. Mas não destaco essas formas como as mais sublimes. O que é essencial no ato de narrar é o narrador. Ele é o pai da criação e o mais cuidadoso intermediário entre a história e o espectador! Amigo íntimo das palavras, o narrador revela sua visão de mundo e transmite ideias filosóficas, religiosas ou mesmo aquelas sem cunho científico. Centrado na figura do narrador o narrar se torna artístico. E acredito que quanto mais o narrador se envolve na história melhor é a narração. Narrar é uma arte quando se encontra com narradores dinâmicos e cheios de experiências como Dom Casmurro e Riobaldo, personagens inesquecíveis da literatura brasileira...

Não pretendo assim desqualificar a narrador que divisa o mundo na terceira pessoa, pois esse afastamento da realidade é fundamental em algumas histórias ou para outras pretensões literárias. Os escritores realistas e naturalistas não me deixam mentir. Por outro lado quero exaltar o narrador em primeira pessoa. Aquele que com suas emoções altera a narração. Contar é muito dificultoso, é a afirmativa de Riobaldo, narrador-protagonista da obra Grande Sertão: Veredas, e ele acredita que a narração se torna mais difícil não pelo tempo que aconteceram as coisas narradas, mas pela astúcia que tem certos fatos de saírem dos seus lugares.

Em primeira pessoa o narrador de onisciente passa à testemunha e presença numa história que nunca é a mesma, pois passou pelo crivo dos sentimentos do narrador. No narrar em primeira pessoa o homem é a única verdade científica, único objeto de percepção. A riqueza psicológica, a nostalgia, a reminiscência e o conflito com o mundo narrado confere a esse narrador o poder de tocar o mundo e os interlocutores como um observador único.

No trecho abaixo Riobaldo exemplifica o poder do narrar em primeira pessoa e de controlar o tempo e o espaço na lembrança. Mas uma advertência convém fazer àquele que pretende ler ou ouvir uma narração em primeira pessoa: desconfie sempre do narrador, pois ele é um fingidor e artista...

“Agora, que mais idoso me vejo, e quanto mais remoto aquilo reside, a lembrança demuda de valor, se transforma, se compõe, em uma espécie de decorrido formoso. Consegui o pensar direito: penso como um rio tanto anda: que as árvores das beiradas mal nem vejo... Quem me entende? O que eu queria. Os fatos passados obedecem à gente; os em vir também. Só o poder do presente que é furiável?” (ROSA, 2006, p. 343).

terça-feira, 14 de julho de 2009

EU TERIA UM DESGOSTO PROFUNDO / SE FALTASSE O FLAMENGO NO MUNDO


Ruy Castro é um grande cronista brasileiro. Desenvolveu a mais importante biografia de um jogador, Mané Garrincha: Estrela Solitária. O literato gosta de futebol e grande parte de sua obra é voltada para esse tema e, acima de tudo, apresenta um coração rubro-negro.
Segue um trecho do livro “Flamengo. O Vermelho e o Negro” o qual conta à história do maior clube brasileiro...

“A oposição não se conforma, mas não pode fazer nada: o Flamengo é um caso de amor entre milhões e o Brasil. Um dia, quando se mergulhar de verdade nos fatores que, historicamente, ajudaram a consolidar a integração nacional, o Flamengo terá de ser incluído. Durante todo o século XX, ele uniu gerações, raças e sotaques em torno de sua bandeira. Ao inspirar um rubro-negro do Guaporé a reagir como um rubro-negro do Leblon (com os mesmo gestos e expletivos, e no mesmo instante), o Flamengo ajudou a fazer do Brasil uma nação.

Mas o Flamengo não é uma abstração histórica. É um complexo de carne, ossos, tendões, músculos. Quando se fala nele, vêm à mente os heróis que, no decorrer das décadas, têm vestido sua camisa e formado times de sonho. Homens como Abelha; Bigu, Onça, Ronaldão e Tinteiro; Manteiga e Dendê; Sapatão, Foguete, Bujica e Beijoca.

Epa! Desculpe, peguei a lista errada! Esse é o time do pesadelo. A lista certa é: Raul; Leandro, Domingos da Guia, Reyes e Júnior; Carlinhos e Zizinho; Joel, Leônidas da Silva, Zico e Dida.

Falando sério, poucas instituições serão tão abrangentemente nacionais quanto o Flamengo - a Igreja Católica, sem dúvida, é uma delas, e, talvez, o Jogo do Bicho. E olhe que o Flamengo não promete a vida eterna nem o enriquecimento fácil. Ao contrário, às vezes mata de enfarte e, quase sempre, só dá despesa. Mas uma coisa ele tem em comum com a religião e o bicho: a fé. Esta é a matéria-prima de que as três instituições se alimentam. Mas com vantagem para o Flamengo, porque a igreja só paga dividendos depois da morte e o bicho tanto pode dar quanto não dar - já o Flamengo costuma pagar seus dividendos espirituais toda quarta e domingo. Em termos de alcance dos agentes dessa fé, então, não há comparação possível: o padre e o bicheiro são personagens locais, ao passo que os jogadores do Flamengo, via rádio ou TV, cobrem todo o território e são heróis (ou vilões)nacionais.

Daí ele ser onipresente. O Rio foi seu berço, mas sua casa é o Brasil. Sua camisa vermelha e preta viaja de canoa pelos igarapés; galopa pelas coxilhas; caminha pelos sertões; colore todas as praias; está nos barracos das favelas e nas coberturas tríplex. Suas cores vestem famosos e anônimos, bandidos e vítimas, corruptos e honestos, pobres e grã-finos, idosos e crianças, os muito feios e as muito bonitas. De repente, materializam-se nos lugares mais inesperados: já estiveram nas mãos de Frank Sinatra, no papamóvel de João Paulo II, nos peitos de Madonna. Mas, principalmente, tomam os estádios, em tantas tardes e noites quantas o Flamengo entrar em campo, não importa onde.

Donde talvez não seja cientificamente exata a frase que, de tão usada, logo se tornaria clichê: a de que "o Flamengo é uma nação" - frase criada pelo deputado federal cearense Walter Bezerra de Sá há mais de trinta anos. Mais exato, talvez, seria dizer que, ao contrário, a nação é que é Flamengo. Segundo pesquisas veiculadas por órgão insuspeitos, o Flamengo é o clube de maior torcida do Brasil por qualquer categoria que se queira estudar. Você escolhe: região, sexo, faixa de idade, nível de renda, cor da pele, plumagem política, grau de escolaridade, QI ou quantidade de dentes - é maioria entre os desdentados e os que nunca tiveram uma cárie. Sua presença no Rio é esmagadora: 42% dos cariocas são Flamengo. O restante se divide entre os que se repartem pelos outros clubes e os que, por esnobismo ou enmui, não se interessam por futebol.

Mas sua torcida não se espreme entre a montanha e o mar. Ao transbordar para todos os estados do Brasil, muitas vezes supera a dos próprios times locais. No norte e no nordeste, é esmagadora. Em Brasília, é, proporcionalmente, maior até do que no Rio. Em SP, é mais numerosa do que a da tradicional Portuguesa. É forte até mesmo no sul, onde os times de fora não costumam ter vez.

E existem quase cem clubes, profissionais ou amadores, de todos os estados do Brasil, chamados Flamengo.

Bolas, por que não dizer logo? É, disparado, a maior torcida de futebol do mundo. Quando se pensa que, na Espanha, o clube mais popular é o riquíssimo, sério e bem administrado Barcelona, tem-se vontade de chorar. A torcida do Flamengo não é apenas maior que a do Barcelona - é quase igual a toda a população da Espanha! E só por isso deveria ser sagrada para os indivíduos que uma minoria transforma em presidentes do clube.”

"Flamengo. O vermelho e o negro" Ruy Castro - Editora Ediouro (2004)

domingo, 28 de junho de 2009

VIAGEM PELO SERTÃO DESNORTEADO

O sertão na obra Grande Sertão: Veredas assume conceituações de um lugar físico localizado entre Minas Gerais, Goiás e sul da Bahia com sua vegetação e habitantes. Por outro lado, esse mesmo sertão físico assume características individuais.
Guimarães Rosa escolhe o sertão como espaço pois é nele que o homem assume a sua espontaneidade, realizando a sua profunda instintividade humana.

“Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador.” (ROSA,2006, p. 8)

“Cidade acaba com o sertão. Acaba?” (ROSA, 2006, p. 167)

“Sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado!” (ROSA, 2006, p. 19)

“Sertão. Sabe o senhor: Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso...” (ROSA, 2006, p. 25)

“O sertão é do tamanho do mundo.” (ROSA, 2006, p. 73)

“O sertão está em toda parte.” (ROSA, 2006,p. 8)

A viagem pelo sertão de Rosa é mágica e misteriosa!

quarta-feira, 27 de maio de 2009

MULHER


Uma faca afiada gera um corte fundo
A mão apertada sobre sangue que jorra
Alado o escarlate não cessa mas choca
A água do olho que é charco profundo

A faca cega gera um peito calado
Sem força a mão já não presta
O sangue passou e dele só resta
A cicatriz que identifica o amado...

sábado, 23 de maio de 2009

Viagem da alma

“Fantasma” é um poema que resume o todo da obra de Cecilia Meireles. O titulo nos remete a uma temática muito recorrente na obra da poetisa: a passagem e o desprazer da vida, a morte e a efemeridade das coisas. No inicio da leitura percebe-se que o poema é construído em 2° pessoa , portanto um dialogo, mas sem a presença lingüística do interlocutor que no quarto terceto se identifica como o próprio locutor. A dualidade alma/ corpo simboliza a dualidade vida/morte.

Fantasma

Para onde vais, assim calado,
de olhos hirtos, quieto e deitado,
as mãos imóveis de cada lado?

Tua longa barca desliza
por não sei que onda, límpida e lisa,
sem leme, sem vela, sem brisa...

Passas por mim na órbita imensa
de uma secreta indiferença,
que qualquer pergunta dispensa.

Desapareces do lado oposto
e, então, com súbito desgosto,
vejo que teu rosto é o meu rosto,

e que vais levando contigo,
pelo silencioso perigo
dessa tua navegação,

minha voz na tua garganta,
e tanta cinza, tanta, tanta,
de mim, sobre o teu coração!