sábado, 25 de julho de 2009

Quem conta um conto...


Narrar é uma arte! Confesso que essa afirmação me deixou um pouco confuso. Pois será que toda narração é uma arte? Mesmo aquelas em que não há nenhum trabalho minucioso com as palavras ou um trabalho com formas e formas?

Há varias formas prosaicas para narrar: romances, contos, novelas, cartas, etc. Mas não destaco essas formas como as mais sublimes. O que é essencial no ato de narrar é o narrador. Ele é o pai da criação e o mais cuidadoso intermediário entre a história e o espectador! Amigo íntimo das palavras, o narrador revela sua visão de mundo e transmite ideias filosóficas, religiosas ou mesmo aquelas sem cunho científico. Centrado na figura do narrador o narrar se torna artístico. E acredito que quanto mais o narrador se envolve na história melhor é a narração. Narrar é uma arte quando se encontra com narradores dinâmicos e cheios de experiências como Dom Casmurro e Riobaldo, personagens inesquecíveis da literatura brasileira...

Não pretendo assim desqualificar a narrador que divisa o mundo na terceira pessoa, pois esse afastamento da realidade é fundamental em algumas histórias ou para outras pretensões literárias. Os escritores realistas e naturalistas não me deixam mentir. Por outro lado quero exaltar o narrador em primeira pessoa. Aquele que com suas emoções altera a narração. Contar é muito dificultoso, é a afirmativa de Riobaldo, narrador-protagonista da obra Grande Sertão: Veredas, e ele acredita que a narração se torna mais difícil não pelo tempo que aconteceram as coisas narradas, mas pela astúcia que tem certos fatos de saírem dos seus lugares.

Em primeira pessoa o narrador de onisciente passa à testemunha e presença numa história que nunca é a mesma, pois passou pelo crivo dos sentimentos do narrador. No narrar em primeira pessoa o homem é a única verdade científica, único objeto de percepção. A riqueza psicológica, a nostalgia, a reminiscência e o conflito com o mundo narrado confere a esse narrador o poder de tocar o mundo e os interlocutores como um observador único.

No trecho abaixo Riobaldo exemplifica o poder do narrar em primeira pessoa e de controlar o tempo e o espaço na lembrança. Mas uma advertência convém fazer àquele que pretende ler ou ouvir uma narração em primeira pessoa: desconfie sempre do narrador, pois ele é um fingidor e artista...

“Agora, que mais idoso me vejo, e quanto mais remoto aquilo reside, a lembrança demuda de valor, se transforma, se compõe, em uma espécie de decorrido formoso. Consegui o pensar direito: penso como um rio tanto anda: que as árvores das beiradas mal nem vejo... Quem me entende? O que eu queria. Os fatos passados obedecem à gente; os em vir também. Só o poder do presente que é furiável?” (ROSA, 2006, p. 343).

Um comentário:

  1. Texto ótimo! Narrar além de arte é necessidade, ainda que os motivos não sejam claros.

    Parabéns!

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